
Biodiesel como ativo estratégico: soberania energética, transição justa e liderança do Brasil nas discussões da COP30
Crises geopolíticas recentes, da guerra no Leste Europeu às instabilidades no Oriente Médio, expuseram a vulnerabilidade das economias altamente dependentes de petróleo e gás importados. Em 2022, por exemplo, o preço médio do barril do petróleo Brent chegou a ultrapassar US$ 120, gerando impactos severos em países sem produção doméstica robusta.
Esse cenário evidenciou ainda mais a importância de alternativas renováveis e locais, capazes de mitigar riscos de suprimento e volatilidade de preços. Nesse contexto, os biocombustíveis, e em especial o biodiesel, vem se consolidando de forma crescente como instrumento de soberania energética, política industrial e transição climática justa.
Produzido a partir de matérias-primas renováveis, o biodiesel possui um diferencial que vai além da redução de emissões. Ele movimenta economias locais, distribui renda em territórios vulneráveis e fortalece a autonomia do país diante das instabilidades globais. Cada litro produzido representa mais do que energia renovável: é um investimento em comunidades, saúde pública e segurança energética nacional.
No Brasil, o consumo anual superior a 9,1 bilhões de litros em 2024, de acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), já substitui parte expressiva do diesel fóssil, reduzindo importações e movimentando uma cadeia que inclui mais de 60 usinas e cerca de 300 mil agricultores familiares. A implementação da mistura de 15% do biodiesel ao diesel, chamado de B15, em agosto deste ano foi um passo importante para o fortalecimento da matriz energética nacional, mas ainda temos muito a avançar frente a outros países. Dados internacionais reforçam a viabilidade de percentuais superiores.
Contexto global e impactos mensurados
A Indonésia opera hoje com B40 e estuda atingir B50 até 2026, reduzindo gastos com importações de diesel fóssil e consolidando sua balança comercial de energia. Nos Estados Unidos, programas estaduais e federais consolidaram o B20 como padrão em frotas de transporte público e caminhões pesados, garantindo estabilidade de preços e diversificação da matriz. Na União Europeia, países, como a França, avançam em percentuais de B20 a B30 em rotas específicas, alinhados a metas de neutralidade de carbono até 2050. Em comparação, o Brasil, mesmo sendo líder em condições de produção e disponibilidade de matérias-primas, ainda se encontra aquém dessas metas, o que reforça o potencial de expansão.
A diversificação de usos também é um ponto de destaque. No setor elétrico, termelétricas brasileiras já operaram com biodiesel, provando sua eficiência em complementar a matriz. No transporte marítimo, segmento responsável por cerca de 3% das emissões globais de gases de efeito estufa, o uso experimental de misturas superiores ao B20 em embarcações tem mostrado resultados positivos, com redução expressiva de emissões.
Os impactos positivos já são constatados. Em 2024, o biodiesel consumido no mercado brasileiro evitou que aproximadamente 26,8 milhões de toneladas de CO2 fossem lançadas na atmosfera, do acordo com a EPE. Estimativas do governo apontam que esse resultado representa a prevenção anual de centenas mortes prematuras por doenças respiratórias e cardiovasculares, além da economia de centenas de milhões de reais em gastos hospitalares. Do ponto de vista social, a inclusão de agricultores familiares na cadeia produtiva se traduz em geração de renda estável, contratos de fornecimento de longo prazo e dinamização econômica em regiões de baixa industrialização.
De olho na COP30
A última edição do evento, a COP29, estabeleceu novos patamares para os recursos destinados aos países em desenvolvimento, além de avançar em mercados de carbono e compromissos climáticos globais. Esse avanço cria a base sobre a qual a COP30 deve se apoiar: ampliar conquistas, aumentar a ambição nas metas e garantir que a transição energética ocorra de forma justa e eficaz. Nesse cenário, o Brasil tem diante de si uma oportunidade histórica para mostrar liderança, reconstruir a confiança mundial e reforçar o papel do Sul Global como protagonista da ação climática.
O desafio agora é reposicionar o biodiesel no debate climático internacional. A COP30 será palco de discussões sobre rotas tecnológicas, eletrificação, hidrogênio, biocombustíveis, e o Brasil terá a oportunidade de apresentar um modelo plural, inclusivo e adaptado às realidades do mercado. Levar o biodiesel às mesas de negociação significa defender não apenas uma solução de mitigação, mas um vetor de desenvolvimento que integra clima, economia e inclusão social.
Essa posição ganha ainda mais força diante do contexto internacional. Enquanto muitos países ainda não cumpriram suas metas do Acordo de Paris, o Brasil pode chegar a Belém com resultados tangíveis: uma política pública consolidada, com ganhos ambientais, sociais e econômicos já mensuráveis. Em um cenário de metas adiadas, o biodiesel é a prova concreta de como se faz.
Mas esse protagonismo não é apenas externo. Dentro do Brasil, políticas energéticas ainda refletem a forte presença das fontes fósseis, ao mesmo tempo em que convivem com avanços importantes e também alguns entraves. Levar o biodiesel à COP30, portanto, significa também reafirmar internamente o compromisso com a previsibilidade regulatória, com o aumento progressivo da mistura obrigatória e com a valorização da agricultura familiar como parte da transição justa.
O biodiesel é a ferramenta que permite ao Brasil articular essa agenda não apenas pelo exemplo técnico, mas pela força política de propor uma transição plural, justa e soberana. Na COP30, será a oportunidade de mostrar ao mundo que o país não apenas sonha com um futuro sustentável: ele já o constrói cotidianamente, em suas estradas, em suas usinas e em seus campos. É hora de transformar essa experiência em liderança global.